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sábado, 20 de agosto de 2011

Secularização e as visões de mundo


Os secularizados não devem negar potencial de verdade a visões de mundo religiosas.”

por Jürgen Habermas

Portanto, no que tange o fenômeno moderno da secularização, pode ser entendida como sendo um conjunto de fatores que através dos quais a religiosidade perde a sua influência sobre as diversas camadas sociais. Perda esta de influência repercutindo na sociedade, na cultura e, primordialmente, na desvalorização das crenças e nos valores a ela associados. A crescente pluralidade religiosa contribui, em parte, para o fenômeno da secularização, ao dar um sentido absoluto a crença. A secularização, por esse viés, conjuntamente com este pluralismo religioso, atua, também sobre a consciência religiosa individual, possibilitando a cada indivíduo a composição de sua própria natureza ou identidade religiosa. Nessa medida, a secularização afeta nas possibilidades da relação da modernidade com o religioso.
Logo, na tentativa de se abrir defesa para o potencial de verdade das religiões e sua participação na esfera pública, está conjeturado nessa representação que a religião é um tipo de conhecimento que não apresenta motivos para seus posicionamentos, mas que foi forçada a isso pela secularização. Mas, a insistência na necessidade de que a linguagem religiosa se traduza numa linguagem universalmente abordável se mostra imprescindível. Reafirmando, que a delimitação da existência da linguagem religiosa na esfera pública, já que as verdades religiosas devem ficar alheias das deliberações institucionais do poder público.
A condescendência à participação da verdade religiosa se faz apenas na medida em que a mesma é traduzida para a linguagem laica que os pressupostos dessa linguagem não sejam particulares e que sejam de domínio público, e não de uma possível imparcialidade do Estado em relação à religião.
Numa aproximação da modernidade e religião e, consequentemente, para uma proximidade de crentes e não crentes, vê-se a importância da dismissificação de possível quantificação da carga política colocada sobre ambos, pois destes se requer uma mudança de mentalidade.
Do ponto de vista filosófico, a religião e o secularização são duas disposições extremadas que devem ser declinadas na extensão da atividade pública –, enquanto posições distinguidas, tornam-se apenas concepções de mundo que devem ser sobrelevar-se por uma consciência laical de se viver em uma sociedade, por assim dizer pós-secularizada, ou seja, viver conscientemente numa sociedade pós aparição dos laicos e do laicismo [este, que filosoficamente defende e promove a separação do Estado da religiosidade, assim como a neutralidade ideológica do Estado em matéria religiosa].
Na medida em que, tal neutralidade ideológica do poder do Estado que visa a garantia a todos os cidadãos as mesmas liberdades éticas é incompatível com a generalidade política de uma concepção do mundo secularizada. Em seu papel de cidadãos do Estado, os cidadãos oriundos dessa nova ordem a secularização –, pela qual a religião deixa de ser o aspecto cultural agregador, não podem nem objetar, inicialmente, a possibilidade potencial de verdade das visões religiosas do mundo, nem se opor aos demais cidadãos crentes o direito à contribuição para as discussões públicas fazendo uso de uma linguagem religiosa.
Por fim, numa sociedade chamada pós-secular é a que garante a liberdade religiosa e o pluralismo de imagens de mundo, mantendo a separação entre a linguagem dos religiosos e não-religiosos; separando a linguagem metafísica, dos da pós-metafísica, apenas no âmbito das deliberações públicas, em função que os conteúdos dessa virada linguística, seja inferior ou superior em racionalidade aos conteúdos da outra ala.
Assim, uma concepção pós-metafísica de secularização deveria, simplesmente, dar cabo da necessária separação entre instituições religiosas e instituições públicas, e não tentar separar religião e política como esferas inconciliáveis da práxis e do conhecimento humano. Sendo assim, mostra-se necessário submeter um deslocamento da concepção de secularização –, racionalização ou desencantamento do mundo, movendo-o das esferas do ser e do saber à esfera do exercício diretivo do poder público.

domingo, 31 de julho de 2011

O sintoma e suas relações em Freud

Carlos Eduardo da Silva Faria
Prof. Dt. Augusto Bach
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO


Este texto dissertativo tem a finalidade de abranger a definição de sintoma, sua relação com a noção de trauma sexual e o mecanismo de defesa a ele associado.
No início da história da psicanálise, Freud na obra intulada Estudos sobre a histeria (1895) –, em conjunto com Dr. Josef Breuer, descrevem o procedimento terapêutico de tratamento catártico relacionado com a hipnose. Trata-se da descarga ou redução emocional de afetos retidos no inconsciente, pelo avivamento e verbalização de uma representação esquecida, geralmente relacionada com algum cenário traumático. Em outras palavras, na 1ª Tópica – pode-se inferir como o princípio de prazer/desprazer requerendo homeostase (estado de equilíbrio orgânico). Donde o princípio do prazer é idêntico a descarga ou redução de quantum de energia (libido), essa sensação ou sentimento o aparelho psíquico descarrega o excesso de energia. No desprazer é o aumento de energia, de tal forma que o excesso de energia acarreta a formação de sintomas à diagnosticar uma doença mental, ou seja, uma energia não canalizada ou estrangulada – não ob-reagida. Freud se interessa por esse método e, posteriormente aponta suas delimitações.
A psicanálise, até então, entendida como arte interpretativa, uma nova técnica que modifica o quadro geral do tratamento. A esse novo método o autor denomina de psicanálise. Assim, inaugurada a psicanálise em substituição ao método da hipnose: “[...] Quanto mais cuidadosamente a procura era feita, mais extensa parecia ser a rede de impressões etiologicamente significantes, mas retrocedendo, do mesmo modo, iam elas pela puberdade ou infância do paciente.” (Freud, Dois Verbetes, p. 256).
Logo, com efeito, analisando o exerto acima, com Ana O., Freud inaugura o tratamento talking cure (cura pela fala) – é a regra técnica fundamental da associação livre, ou seja, falar tudo o que lhe veem a boca, cumprir a associação livre, o falar sem muita crítica [falar uma besteira significante], isso permite um melhor acesso empírico. A associação livre se manisfesta de forma emprírica ao abrir-se do inconsciente. O médico, deve aprender o curso do inconsciente do paciente com o seu próprio inconsciente – não analisa conforme sua consciência, torna o inconsciente, consciente. A significação está oculta no paciente e, cabe a tarefa à psicanálise fazer do discurso inconsciente, um discurso explícito.
Como outra novidade, agora esta de origem clínica, se dá na visão freudiana, pela significação etiológica (grosso modo – busca das causas) da vida sexual, de maneira que por suas investigações, Freud deduz que os sintomas histéricos pareciam derivar de experiências traumáticas; cintando o autor: “[...] Quanto mais cuidadosamente a procura era feita, mais extensa parecia ser a rede de impressões etiologicamente significantes, mas retrocedendo, do mesmo modo, iam elas pela puberdade ou infância do paciente.” (Freud, Idem p. 260). Assim, as pertubações nervosas em geral são expressões de distúrbios referente a vida sexual, um simples caso comum de nervosismo pode ocultar e ser remontado a um trauma sexual.
Por esse viés, a psicanálise inicia com Freud, suas investigações pelo estudo sobre as neuroses e dos sintomas. Sendo as neuroses, manifestações conflitantes entre o eu (ego) e as pulsões (impulsos ou instintos [a forma de manisfestar a sexualidade] – fonte de sua energia Trieb), que, por serem não compatíveis eticamente com o ego, são reprimidos, recalcados, ou seja, são impedidas se tornarem conscientes, sofrendo, por conseguinte o afastamento à possibilidade de desejo e ou satisfação. Por sintoma, em psicanálise pode ser entendida como uma manifestação de um conflito inconsciente.
Esse recalcamento, não se sustenta, pois a libido (desejo sexual), totalmente insatisfeita e reprimida pelo ego, busca alternativas, outras vias de satisfação, seguindo saídas indiretas do inconsciente. Faz a libido um caminho de regressão a fases do desenvolvimento infantil e a atitudes anteriores para com os objetos, onde existem os pontos de fixações infantis, irrompendo na consciência, obtendo satisfação. Como resutado aparece um sintoma e, consequentemente, uma satisfação sexual substitutiva para desejos sexuais não realizados, um suprimento de algo que foi censurado e afastado pelo recalcamento.
Sendo assim, os sintomas da neurose podem ser apresentados como uma satisfação compensadora de algum desejo sexual ou como uma regra de impedimento dessa satisfação e, mostrando duas forças que entraram em conflito, por um lado a libido insatifeita e de outro a força repressora do ego que age como agente crítico e moralizador. Dessa maneira, ao romper o recalcamento, a libido ao encontrar as tais fixações infantis, que, por ocorrerem numa época de desenvolvimento incompleto das experiências do início da vida sexual, época esta marcada pelo estado de desamparo e dependência totais –, são capazes de ter efeitos traumatizantes.
Logo, a relação com a noção de trauma sexual e o sintoma pode ser entendida, primeiramente como a expressão do recalcado. O trauma é a base da realidade e, esta realidade Freud denomina complexo de castração. Por castração, ou melhor complexo de castração – denota como resposta aos afetos contidos nas defesas contra os desejos psíquicos do complexo de Édipo. Os meninos receiem, pela fantasia, levar a castração como realização da figura ameaçadora paterna, pela rivalidade e hostilidade que eles mesmos sentem em relação ao pai e pela culpa secundária do desejo incestuoso e parricida que sentem pelo objeto mãe. Desse fato, transcorre uma intensa angústia que os introduz ao mundo das normas proibitivas, abrindo assim o caminho para o seu desenvolvimento socializado – é um corte radical na pulsão. Em meninas, a ausência do falo é sentida como um estrago sofrido, uma falta importante por elas negada e, que buscam compensação ou reparação de alguma maneira.
Mas, pelo avanço de suas investigações, o autor conclui que o trauma é deduzido, que leva-o ao abandono de tal teoria, dedicando-se a concepção da teoria da fantasia, em que o ato traumático é parte da realidade psíquica do indivíduo e sustentáculo da fantasia. O sintoma aqui é tido como a realização de uma fantasia de cunho sexual do indivíduo, representada total ou parcialmente, derivada de suas pulsões. Basta a libido quando necessitar retirar-se às fantasias, para encontrar todas as suas fixações recalcadas. Freud ao ouvir o discurso do neurótico, a partir do discurso da histérica, coloca que o sintoma tem um sentido, um sentido inconsciente, em outras palvras, o sintoma diz alguma coisa, mesmo que o paciente não saiba disso.
Nos anos 1920, com a introdução da 2ª Tópica – para além do princípio do prazer, Freud demonstra a impossibilidade de uma satisfação (gozo) de ser representada, mostrando a dificuldade das problematizações psíquicas expressadas no sintoma.
O sintoma é apresentado na visão freudiana como uma consequencia do processo de recalcamento. O ego parte organizadora do aparelho psíquico e controladora do id (isso – fonte das pulsões), demonstra força ao reprimir, mas, ao revés nesse mesmo momento mostra fragilidade, como consequência dessa repressão, surge um sintoma, onde a libido reprimida e insatisfeita encontra a satisfação sexual substitutiva. O sintoma, também inferido como uma via indireta de satisfação pulsional, sentida como via de sofrimento e geradora de angústia e, por conseguinte desprazer. Nesse cenário, a angústia que sente o ego, motivo de desprazer que o faz a colocar-se ou pôr-se em posição de defesa, desprendendo o recalcamento e a formação dos sintomas.
Sob a acepção dos mecanismos de defesa, aqui entendendo-se como de dois tipos: psicopatológicas e normais (consciente ou inconsciente), correlato ao trauma sexual, Freud contempla de que pode-se inferir à todas as técnicas que se serve o ego contra os ímpetos reclamados pelos impulsos, bem como representações sensíveis e afeições desagradáveis. Cabe ressaltar que as lembranças que desencadeiam a defesa normal nunca são retiradas da consciência tão integralmente não permitindo serem despertadas por uma nova percepção. Já a histeria, contudo, as percepções que deveriam originar as recordações recalcadas despertam, surgindo no lugar desta, algum símbolo da mesma, como a histeria compulsiva.
Em suma, as sensações corporais, ansiedade, medo, obsessão, ritos, descontrole, alucinações são exemplos de sintomas e, a causa dos mecanismos defensivos se fundamentam na angústia, adquirida e que se desenvolve desde o momento traumático do nascimento, estabelecendo-se como um sinal de perigo para as reações de defesa do ego. A angústia é a reação a esse perigo e o sintoma é criado para evitar o surgimento do estado de angústia; e a repressão explicada como caso especial de defesa.

domingo, 24 de julho de 2011

Ensaio: Marx em um viés filosófico


Carlos Eduardo da Silva Faria
Prof. Ms. Claudio César de Andrade
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

Começaremos este ensaio extamente em cima do seu título, revertendo o mesmo à duas perguntas: Existe mesmo um Marx por um viés filosófico? E, sendo mais pontual questionaríamos: Em que medida existe algo de filosófico no pensamento de Marx?
Antes mesmo de alguma ponderação mais enfática, creio que uma abertura para um caminho para alusão de um Marx filosófico, seria aludir-se às seguintes ponderações: Para Marx, a filosofia teria uma missão com a história, um papel, teria um compromisso social – o de desmascarar a autoalienação; e que a razão de sua época não estava sendo usada adequadamente, ela é história, foi socialmente constituída, reproduz um certo sentido e não sendo originária enquanto fundamento.
Por esse viés, ao resgastarmos essa velha e debatida questão com relação ao pensamento de Marx com a filosofia, trata-se desse modo, elencar alguns elementos [como os do parágrafo anterior], que Marx no seu entendimento concebe as funções operativas da razão, e ademais a trajetória do saber especulativo transformador como necessidade. Ao tratamos destes assuntos, estamos assumindo percorrer a trilha marxista do materialismo, bem como o seu referencial teórico a respeito de uma dialética transformadora.
Cabe aqui, a abertura de um parênteses: Ao abrirmos o ensaio com os questionamentos, após aferirmos ponderações e, em seguida vislumbrarmos as tematizações a serem discutidas, todas essas argumentações, sim nos veem à luz um caminho para um viés filosófico marxista, não do Marx ortodoxo, ao réves a do filosófico. Fecha parênteses.
O tema em pauta, têm ao longo dos anos uma variedade grande de interpretações, tornando-se uma das maiores discussões a cerca da obra de Marx. Isto posto, vale ressaltar que o objetivado aqui não é tentativa de esgotamento do assunto, mas apontar algumas chaves analíticas, sem a pretensão de seguir um determinado comentador ou intérprete, visualizamos a construção textual de uma interpretação sem imagem, mas com comunicação com o autor, como aprendemos com Deleuze.
Para Marx, as coisas que nos rodeam – as coisas do mundo, possuem elas mesmas um sentido imanente, bastando que o método tenha a funcionalidade de busca e captura desse sentido, ou seja, Marx crítica o conceito pelo conceito.
A razão, por seu turno faz o papel de figuração histórica parte de uma sociedade socialmente constituída, reproduzindo o mesmo sentido. Dessa maneira, a razão funcionando com uma reprodutora, nunca como sua fonte originária de sentido. Em outras palavras, a necessidade real do saber e sua aplicabilidade entendendo que um saber saiba das coisas do mundo humano. Marx, condena seu tempo pelo imperialismo da subjetividade.
Vale dizer, do erro que Marx aponta àqueles que dizem que o movimento autônomo dos conceitos, simplesmente originário de uma lógica, pois é ele [o moviemento], não espontâneo, não íntegro e com inúmeras interferências externas. Assim, o procedimento correto, diz o autor, é do abstrato vai-se ao concreto por dedução, não diretamente, existem elos intermediários – a visão do mundo têm vários elos intermediários.
O objeto, então, que é passado enquanto concreto a uma forma de pensamento, ou seja, não é o pensamento que forma ao objeto. Dito de outro modo, o movimento vai do abstrato ao concreto pela desvelação das determinãções intermediárias do seu próprio movimento em concretude. Tais elos entendidos como especificações produzidas pelo real, mas ainda desconhecidos, contendo a possibilidade de conhecimento.
Para a razão, determina sua especulação histórica, pois tudo é uma determinação histórica, dessa forma a razão não comparece como critério de si mesma. Conceitua, também um reconhecimento à objetividade, na medida em que o mundo pelo conceito não se apresenta sendo o melhor, reivindica a organização da cabeça devidamente regida pelo mundo.
Marx posiciona-se em favor, tocando em outro ponto relevante, para um saber transformador, aberto às transformações –, de um saber que saiba das coisas, com isso, para que essas mesmas coisas possam ser alteradas, modificadas – sem estagnações. Aqui, na tentativa de um melhor entendimento dizer, que Marx não se contrapõe ao saber de uma filosofia especulativa, ao réves coloca-se em uma posição de reinvidicador de um saber de uma filosofia de transformação, um saber duma filosofia transformadora.
Os parágrafos a seguir voltam-se para o materialismo histórico de Marx e a busca pela dialética transformadora, que acompanha a linha raciocinante do dito acima. O materialismo histórico é a designação do termo do método utilizado por Marx para interpretação histórica, e consiste em interpretar os fatos históricos como fundamentados em fatores econômicos-sociais: as técnicas de trabalho, de produtividade, das relações de trabalho e de produção.
A base do materialismo histórico está fundamentada na perpectiva antropológica marxista, concebendo assim, a natureza humana como intrinsecamente formada por relações de trabalho e de produção, cujo propósito dos homens é suprir suas necessidades, por isso das relações que estabelecem entre si. Nessa ótica, a tese marxista fundamenta as maneiras ou formas assumidas historicamente pelas sociedades humanas, que prevalecem e dependem, sim das relações econômicas, durante as fases do processo de seu desenvolvimento.
Por fim, dentro dessa perspectiva o materialismo histórico, desde do instante que fundado na natureza humana e, juntamente com suas formas sociais das relações de trabalho [historicamante falando], se contrapõe ao idealismo e, por conseguinte não admitindo formas abstratas (formas ideias), como constituintes organizadoras da totalidade social. A medida ou melhor a dimensão histórica desse materialismo, assim entendida, resulta precisamente do fato dele [o materialismo] tomar para si que a produção historicamente diversificada da vida material, condiciona a vida em termos gerais, tanto social, na política e, bem como no seu lado espiritual.
Cabe salientar, como fechamento para este ensaio, que Karl Marx em seu pensamento, podemos encontrar pelo aqui em linhas gerais foi exposto, um viés filosófico, mas não entendido como modelo ou teoria filosófica, uma vez que sua teorização visa à apreensão da lógica objetiva da natureza humana e de seus processos. Por fim, a história se faz [parafraseando do autor] segundo: “as necessidades econômicas que se impõem sobre todos os azares”. 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O sentimento de complacência em Kant


Para determinar a primeira característica do que é específico no juízo estético, Kant afirmou que nele reside o sentimento de complacência (wohlgefallen em alemão, que, ao pé da letra, significa “bem-estar”); o qual seria distinto de duas outras formas de complacência. Por um lado, diferente da complacência patológica, que é aquela que sentimos por algo somente por causa do prazer que nos proporciona sensorialmente, como uma comida, a companhia de alguém, uma atividade etc. Por outro lado, trata-se de uma complacência que se distingue da complacência prática, aquela condescendência que sentimos por algo por entendê-lo como justo e correto em si mesmo, como algo bom em si, ou seja, complacência relativa à lei moral (por exemplo, não devo matar, pois, assim como eu, o outro também tem o direito de ser um fim em si mesmo e não um meio para a minha satisfação ou insatisfação); diferente ainda da complacência que sentimos por algo relativamente bom, ou seja, útil (por exemplo, a ideia de que devemos cuidar do meio ambiente, pois isso é um meio adequado para atingir uma finalidade: não sermos extintos do planeta). Assim, veremos qual é a especificidade presente na complacência do juízo de gosto.
Kant chama de juízo a faculdade de unir representações, de unir sujeito e predicado e construir um conhecimento. Porém há duas formas distintas de juízo: os juízos determinantes e os juízos reflexionantes. Os primeiros são juízos que constituem o objeto; trata-se de um juízo intelectual, que forma o objeto empírico ao unificar o material da experiência. Assim, recebo a intuição do que seja um corpo e a intuição do que seja peso separadamente e, ao juntar as duas intuições, posso construir o conhecimento “o corpo é pesado”, por exemplo; isso seria um juízo determinante. Por outro lado, quando o juízo já encontra o objeto previamente constituído, resta-lhe refletir sobre o objeto para encontrar um meio de subordiná-lo a uma unidade ou lei subjetiva, o que ocorre com o juízo de gosto por um lado e com o juízo teleológico por outro – que julga os objetos a partir do princípio de finalidade. Ambos seriam juízos reflexionantes, que não constituem, não formam nenhum objeto da experiência e, por conseguinte, não constituem conhecimento algum. Atentemos ao primeiro juízo reflexionante, que é o nosso tema central, ainda que mais à frente aparecerá sua ligação com o juízo teleológico e ambos vão se tornar mais claros.
O juízo estético, de caráter reflexionante, relaciona a faculdade da imaginação (que é a faculdade que auxilia, como que num intermédio entre a intuição e o entendimento, o modo como em seguida o entendimento compõe e organiza o múltiplo da intuição) ao modo de disposição do ânimo do sujeito diante do qual o objeto se apresenta. Ou seja, o juízo estético não se refere em absoluto ao objeto, nem mediata, nem imediatamente; mas, sim, à disposição de ânimo do sujeito. É somente a partir dessa primeira determinação que é possível afirmar o caráter desinteressado do juízo estético, pois o seu fundamento de determinação reside puramente no modo como as faculdades de conhecimento do sujeito funcionam diante de certos objetos quando tidos como belos.
Em oposição ao juízo de gosto, que somente contempla, Kant apresenta os outros dois tipos de complacência e estabelece a comparação entre os três modos para salientar a especificidade do primeiro – o juízo de gosto. Se o agradável proporciona complacência, ela é vinculada de forma imediata à geração de inclinação, ou seja, ao deleite (vergnügen). Assim, por gerar prazer diretamente nos sentidos, faz com que o sujeito não desvincule sua complacência da existência do objeto, pois o interesse por ele é imediato, devido ao prazer proporcionado por ele aos sentidos.
Por outro lado, a complacência pode ser mediada pela reflexão, referindo-se ao que é bom, visando à utilidade ou ao que é bom em si mesmo. Mas aqui o que determina a impossibilidade de a complacência de um juízo de gosto residir na complacência pelo que é bom se dá duplamente:
  1. por um lado, porque aquilo que é julgado como bom gera interesse, pois passa a ser estimado; e
  2. para que algo possa ser considerado bom, é necessário um conceito prévio sobre o que a coisa propriamente é – algo é bom se coincidir com o seu conceito: por exemplo, um aparelho de som que para no meio da música não pode ser considerado bom, pois em seu conceito está a boa performance do funcionamento até que aquele que o utiliza não queira mais usá-lo).
Quer dizer, o juízo sobre o bom é duplamente inviabilizado de ser referido ao juízo de gosto porque gera interesse e porque exige conceitos; a contemplação estética não é dirigida a conceitos – acho uma paisagem bela não porque ela se enquadra num conceito prévio de “paisagem bela”, mas simplesmente por que sinto esse sentimento. Se houvesse conceitos aos quais o juízo de gosto se referisse, ele se tornaria juízo de conhecimento, tornar-se-ia determinante, e necessariamente deixaria de ser reflexionante, passando a poder ser afirmado de modo a exigir validade universal de forma objetiva.
Então, ao se dizer “a mesa é dura”, envolve-se a necessidade de assentimento de qualquer um por se tratar de mera aplicação de categorias ao objeto, tratando-se de um juízo lógico – determinação esta que não pode ser aplicada à proposição de juízo de gosto “a mesa é bela”, por exemplo. Assim, enquanto a complacência no agradável deleita e a complacência no bom faz com que o objeto seja estimado, a complacência não pode ser livre, pois em ambos os casos o objeto determina a complacência do sujeito. Dessa forma, entendamos o que caracteriza essa liberdade da complacência para que possamos compreender qual é o sentido do prazer decorrente dela.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e António Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ensaio: Lições de Política em T.Hobbes


Este ensaio trata de uma exposição ao tema de política moderna e contemporânea, perfazendo em seu enfoque as concepções filosóficas de Thomas Hobbes.
A fama de Hobbes é ligada principalmente as obras Leviatã e De Cive, textos em que expressa com a máxima clareza as doutrinas do mecanicismo científico e do absolutismo político. A sua vida também é condicionada por essas doutrinas, pois a audácia das teses que defende provoca suspeita de heresia – de fato, a sua tentativa de fundar a autoridade do Estado sobre uma base exclusivamente racional é interpretada, na época, como um convite ao ateísmo. Além disso, por aplicar pela primeira vez os princípios do mecanicismo às funções mentais, onde reduz o pensamento a operações aritméticas de adição e subtração, Hobbes é considerado o antepassado longínquo da atual cibernética, a ciência que controla as máquinas inteligentes por meio de cálculos matemáticos.
Thomas Hobbes, sempre voltado aos interesses políticos, vive num período de muitas guerras, acredita que somente a figura de um Estado forte pode acabar com esses conflitos. Para justificar a necessidade do Estado Soberano, formula uma teoria hipotética. Nessa teoria hipotética, Hobbes não tem uma concepção pessimista do homem, e sim, uma visão realista.
Nessa medida, no estado natural onde os homens encontram-se numa total insegurança é impossível haver moralidade, os homens tem que estar sempre preparados para a guerra, sob pena de comprometer seu bem mais precioso, a vida. Contudo, quando o homem passa a viver numa sociedade, com uma autoridade para lhe reger, as tensões se acabam e, em consequência, os homens vivem relativamente bem, pois a desconfiança que existia entre os homens em seu estado de natureza era racional, e não como alguns autores afirmam, homem essencialmente mal. O maior desejo do homem é manter sua vida. Hobbes atribui a este desejo o nome de instinto de conservação. No estado natural a vida está em constante ameaça.
Assim, os homens, em decorrência do instinto de conservação, guiados pela razão, são levados a pactuarem entre si a condição preliminar para obter a paz é o acordo de todos para sair do estado de natureza e para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da razão, com a segurança de que outros farão o mesmo. O primeiro passo para a transformação do estado de natureza em Estado Civil, é a criação da lei natural pela razão. A Lei Natural é formada por diversas regras, dentre elas Hobbes destaca, no Leviatã as seguintes: “[...] procurar a paz e segui-la; por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos; que os homens cumpram os pactos que celebrarem; gratidão; complacência, que cada um se esforce por acomodar-se com os outros; perdão, que como garantia do tempo futuro se perdoem as ofensas passadas, àqueles que se arrependam e o desejem; que na vingança (isto é, a retribuição do mal com o mal) os homens não olhem à importância do mal passado, mas só à importância do bem futuro; que ninguém por atos, palavras, atitude ou gesto declare ódio ou desprezo pelo outro; que cada homem reconheça os outros como seus iguais por natureza”.
Como se pode observar, as regras da Lei de Natureza são ditames morais elaboradas pela reta razão, que quer dizer a possibilidade do homem de agir da melhor forma para atingir os fins desejados. Ocorre que, para estas regras terem efetividade têm que ser cumpridas por todos.
As leis naturais em si são válidas, mas não tem eficácia garantida, pois elas obrigam in foro interno, não têm alguém que obrigue a cumpri-las. Os princípios naturais só têm eficácia ou se forem positivadas ou se existir uma autoridade que obrigue o seu cumprimento. Para acabar com a insegurança entre os homens e fazer cumprir a Lei Natural é fundamental e indispensável a presença de um Estado que esteja acima do interesse dos cidadãos para garantir a paz civil.
O pacto da teoria hipotética de Hobbes é feito entre todos os cidadãos, que renunciam ao direito de autodefesa. O Estado está fora do contrato. Os cidadãos se privam da liberdade do estado natural de fazer justiça com as próprias mãos e transferem esse direito renunciado ao Estado. A função do Estado é de garantidor da paz civil. Ele está acima dos homens, como beneficiário dos direitos dos cidadãos. Os cidadãos são para o Estado súditos. O Estado tem o poder soberano.
Desta maneira soberania para Hobbes, é o poder que está acima de tudo e de todos. Assim o Estado Soberano está acima das leis e acima da Constituição, sendo um poder absoluto e indivisível. Os pressupostos do pacto: a)um pacto de submissão estipulado entre os indivíduos, e não entre o povo e o soberano; b)consiste em atribuir a um terceiro, situado acima das partes, o poder que cada um tem em estado de natureza; c)o terceiro ao qual esse poder é atribuído, com todas as três definições acima o sublinham, é uma única pessoa.
Contudo, apesar do súdito ter que obedecer a tudo que o soberano mandar, existe uma exceção: o súdito pode resistir ao perigo da morte. Esta exceção tem uma explicação muito razoável, pois como pode o homem não conservar sua própria vida, seu bem inalienável, já que o poder soberano vem da reta razão, por sua vez, advinda do instinto da auto conservação? Isto é uma incoerência. Logo todos os homens têm o direito de resistir a qualquer ato do Estado que ameace a conservação da sua vida. O poder soberano pode ser adquirido de duas formas: pela livre vontade dos cidadãos, que é chamado de Estado Político/Estado por Instituição; ou pela imposição aos cidadãos, que são obrigados a acatar sob pena morte, é o Estado por Aquisição.
O Estado por instituição, na política de Hobbes, pode ser governado por três espécies: pela Monarquia, governo de uma pessoa; por uma Democracia, governo popular, de todos; e pela Oligarquia, governo de poucos.
A monarquia é a melhor forma para de se governar um Estado Soberano. Hobbes defende a autoridade absoluta do rei com única forma de se exercer um poder soberano, já que este é uno e indivisível. A oligarquia seria possível, mas poderia acarretar a descontinuidade do exercício do poder soberano. A democracia era inviável, porque fatalmente iria acarretar a dissolução do poder soberano. Para defender sua concepção política, Hobbes cria um teoria, desenvolvida por um método resolutivo-compositivo, que justifica a necessidade do Estado, partindo da análise da convivência dos homens sem autoridade. A análise do estado de natureza dos homens teve caráter realista ao mostrar a necessidade de uma autoridade política com leis positivas. Entretanto, Hobbes foi idealista ao não observar a possibilidade do abuso do poder por parte do Soberano. Ele afirma que a separação dos poderes iria enfraquecer a unidade estatal e defendia um Estado com poderes ilimitados, acima da constituição e das leis civis.
O momento histórico vivido por Thomas Hobbes, é marcado por uma grande interferência da Igreja no Estado, tinha o Estado como uma criação da vontade de Deus. O Estado é criado porque é da vontade de Deus. Hobbes mais uma vez, é autêntico em seu pensamento. Ele afirma que o Estado é uma criação do homem, não têm qualquer relação com a vontade de Deus, é um ato puramente humano. A prova do Estado ser leigo é o contrato social, que demonstra ser a criação do Estado nada mais do que pura vontade política, criado pelo pacto entre os homens, um ser artificial, independente da vontade divina. Hobbes, sempre a frente de sua época, apesar de pertencer à história do direito natural, antecipa as tendências do direito positivo do século XIX e, apesar de serem correntes antagônicas, atribuiu às leis naturais e civis de sua teoria hipotética características jus naturalistas e jus positivistas. Para Hobbes não existem dois direitos, mas apenas um, que é o direito positivo. Contudo reconhece a lei natural como fundamento do direito positivo, sendo a lei natural somente quando em conformidade com a lei positiva.
Também se faz necessário para uma análise da doutrina hobbesiana, a abordagem de alguns pontos do texto Dâmocles. Dâmocles é uma figura participante de uma história moral que faz parte da cultura grega clássica. A personagem pertence mais propriamente a um mito que figurou na história perdida da Sicília. Conta-se pois que Dâmocles, era um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio I de Siracusa - um tirano do século IV a.C, na Sicília. Ele dizia que, como um grande homem de poder e autoridade, Dionísio era verdadeiramente afortunado. Então, Dionísio ofereceu-se para trocar de lugar com ele apenas por um dia, para que ele também pudesse sentir o gosto de toda esta sorte.
Assim, à noite, um banquete foi realizado onde Dâmocles adorou ser servido como um rei e não se deu conta do que se passava por cima de si. Somente no fim da refeição ele olhou para cima e viu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo, diretamente sobre a sua cabeça. Imediatamente perdeu o interesse pela excelente comida e pelas belas mulheres ou eunucos que o rodeavam e abdicou de seu lugar dizendo que não queria mais ser tão afortunado. A espada de Dâmocles é assim uma alusão, frequentemente usada, para representar a insegurança daqueles com grande poder que podem perdê-lo de repente devido a qualquer contingência ou sentimento de danação iminente.
Em Hobbes a instituição do estado é fundada na possibilidade da violência. Sem qualquer medida, a violência é sempre a espada de Dâmocles na cabeça de cada ser humano. Não uma violência real, mas em potência, um vir-a-ser de todo homem. Hobbes sempre cita tribos da América e a própria sociedade inglesa, em período de ebulição revolucionária. Embora não possa esse o tema principal da obra de Hobbes. Não se pode esquecer que Hobbes é tido pela tradição, como empirista e nominalista. A principal medida contra a "anarquia" não é aparelho estatal, mas a linguagem.
A imposição sintática de nomes as coisas, impedindo interpretações semânticas variadas, é a principal mensagem do Leviatã. O soberano tem o máximo poder de interpretar a realidade com o impedimento de interpretações múltiplas. Cada coisa com seu nome doado pelo topo da pirâmide. O soberano diz o que é o direito, a religião, tudo, ele tem o poder de definir. As interpretações empiristas sempre colocavam em alto plano a noção do particular. A experiência é o conhecimento dos particulares.
O poder definir as coisas com universalidade, através do nominalismo, só poderia surgir a partir de único ponto. Hobbes procura contornar, através do nominalismo, a possibilidade da multiplicidade de significados e significantes e o faz através do estabelecimento da titularidade da imposição dos signos pelo corpo social. O Estado de sociedade civil surge quando as pessoas possuem uma linguagem comum. Sem a imposição de um signo comum a todos os integrantes da sociedade, o que existe são perspectivas particulares. O engraçado é que o nominalismo é uma forma de evitar as dificuldades do próprio empirismo, mas não chega a criar uma universalidade. O que existe mesmo é a perspectiva do mais forte, do soberano, do senhor que impõe a medida de concepção de todas as coisas. A universalidade não pode surgir somente pelo fato dele ser o representante de todos. O que ele impõe é sua interpretação particular das coisas, alicerçada na força. Isso não passa despercebido por Nietzsche. Ele procura mostrar as falhas da linguagem, com intuito de justamente negar a suposta objetividade, neutralidade, universalidade dos signos. Desse modo, que a violência em Hobbes, não é fruto de uma natureza indomável, sempre voltada a ferir o próximo. A violência, sempre em potência, surge das várias perspectivas sem um laço comum. O homem, antes de qualquer estado, linguagem, já interpreta o mundo, cria cultura sobre o que vê e sente. Hobbes percebe isso muito bem. O problema é a falta de uma medida comum. A força surge quando o vir-a-ser das perspectivas em choque se realiza num estado de tudo ou nada, de negação. Para os fortes é muito bom um estado sem medida, mas Hobbes detecta que esse estado é ruim também para o forte.
Na verdade, num estado de diversas perspectivas, não existe inclusive critério "objetivo" para justificar a "fortaleza". O estado de indeterminação não dá possibilidade nem de o forte se achar “o forte”. Os fracos podem fazer acordos e matar os fortes sorrateiramente.
Então, Hobbes percebe que a potencialidade da violência não está no ávido desejo corporal, mas está na interpretação de mundo, sem linguagem comum, objetiva, universal. O medo não surge do vigor físico do vizinho, das armas, não é da violência física. O medo surge do acaso, da falta de critérios, posso até eleger regras pra mim, do ponto de vista particular, mas não possuo o mínimo conhecimento dos outros. O tema da violência em Hobbes, não é perversão, física, corporal, ela está na base da própria cultura na medida que passa pelo discurso.
Por isso, é que Hobbes cita a sociedade inglesa, cita tribos americanas. Hobbes descreve a sociedade de seu tempo, está dentro de um campo de forças e representações de mundo. Aqui, também, faz-se necessário uma abordagem de algumas concepções hobbesianas, contidas no texto Dâmocles.
Dâmocles é uma figura participante de uma história moral que faz parte da cultura grega clássica. A personagem pertence mais propriamente a um mito que figura na história perdida da Sicília. Conta-se pois que Dâmocles, é um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio I de Siracusa - um tirano do século 4 A.C, na Sicília. Ele diz que, como um grande homem de poder e autoridade, Dionísio é verdadeiramente afortunado. Então, Dionísio oferece-se para trocar de lugar com ele apenas por um dia, para que ele também pudesse sentir o gosto de toda esta sorte. Assim, à noite, um banquete foi realizado onde Dâmocles adora ser servido como um rei e não se deu conta do que se passava por cima de si. Somente no fim da refeição ele olha para cima e viu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo, diretamente sobre a sua cabeça. Imediatamente perdeu o interesse pela excelente comida e pelas belas mulheres ou eunucos que o cercam e abdica de seu lugar dizendo que não queria mais ser tão afortunado. A espada de Dâmocles é assim uma alusão, frequentemente usada, para representar a insegurança daqueles com grande poder que podem perdê-lo de repente devido a qualquer contingência ou sentimento de danação iminente.
Para T. Hobbes a instituição do estado é fundada na possibilidade da violência. Sem qualquer medida, a violência é sempre a espada de Dâmocles na cabeça de cada ser humano. Não uma violência real, mas em potência, um vir-a-ser de todo homem. Hobbes sempre cita tribos da América e a própria sociedade inglesa, em período de ebulição revolucionária. Embora não possa esse o tema principal da obra de Hobbes. Não se pode esquecer que Hobbes é tido pela tradição, como empirista e nominalista. A principal medida contra a anarquia não é aparelho estatal, mas a linguagem. A imposição sintática de nomes as coisas, impedindo interpretações semânticas variadas, é a principal mensagem do Leviatã. O soberano tem o máximo poder de interpretar a realidade com o impedimento de interpretações múltiplas. Cada coisa com seu nome doado pelo topo da pirâmide. O soberano diz o que é o direito, a religião, tudo, ele tem o poder de definir. As interpretações empiristas sempre colocavam em alto plano a noção do particular. A experiência é o conhecimento dos particulares.
O poder definir as coisas com universalidade, através do nominalismo, só poderia surgir a partir de único ponto. Hobbes procura contornar, através do nominalismo, a possibilidade da multiplicidade de significados e significantes e o faz através do estabelecimento da titularidade da imposição dos signos pelo corpo social. O Estado de sociedade civil surge quando as pessoas possuem uma linguagem comum. Sem a imposição de um signo comum a todos os integrantes da sociedade, o que existe são perspectivas particulares. O engraçado é que o nominalismo é uma forma de evitar as dificuldades do próprio empirismo, mas não chega a criar uma universalidade. O que existe mesmo é a perspectiva do mais forte, do soberano, do senhor que impõe a medida de concepção de todas as coisas. A universalidade não pode surgir somente pelo fato dele ser o representante de todos. O que ele impõe é sua interpretação particular das coisas, alicerçada na força. Isso não passa despercebido por Nietzsche. Ele procura mostrar as falhas da linguagem, com intuito de justamente negar a suposta objetividade, neutralidade, universalidade dos signos. Desse modo, que a violência em Hobbes, não é fruto de uma natureza indomável, sempre voltada a ferir o próximo. A violência, sempre em potência, surge das várias perspectivas sem um laço comum. O homem, antes de qualquer estado, linguagem, já interpreta o mundo, cria cultura sobre o que vê e sente. Hobbes percebe isso muito bem. O problema é a falta de uma medida comum. A força surge quando o vir-a-ser das perspectivas em choque se realiza num estado de tudo ou nada, de negação. Para os fortes é muito bom um estado sem medida, mas Hobbes detecta que esse estado é ruim também para o forte. Na verdade, num estado de diversas perspectivas, não existe inclusive critério objetivo para justificar a fortaleza. O estado de indeterminação não dá possibilidade nem de o forte se achar o forte. Os fracos podem fazer acordos e matar os fortes sorrateiramente.
Em suma, Hobbes percebe que a potencialidade da violência não está no ávido desejo corporal, mas está na interpretação de mundo, sem linguagem comum, objetiva, universal. O medo não surge do vigor físico do vizinho, das armas, não é da violência física. O medo surge do acaso, da falta de critérios, posso até eleger regras pra mim, do ponto de vista particular, mas não possuo o mínimo conhecimento dos outros. O tema da violência em Hobbes, não é perversão, física, corporal, ela está na base da própria cultura na medida que passa pelo discurso. Hobbes descreve a sociedade de seu tempo, está dentro de um campo de forças e representações de mundo.





Resumo da vida de Heráclito de Éfeso

Membro de uma família aristocrática –, Heráclito nasce em Éfeso, colônia ateniense localizada na costa da Lídia, na Ásia Menor, às margens do rio Cáistro. As origens de Éfeso perderam-se. Mas, segundo uma velha tradição, conservada por historiadores, um grupo de messénio-áticos deixa a Grécia para colonizar a Jônia, chefiado por Ândroclo, filho de Codro, rei de Atenas. Ao chegarem ao porto, os gregos não encontraram resistência dos residentes, mas destruíram o povoado Cário, próximo ao rio, e iniciaram a construção de sua própria cidade, na qual ergueram um templo a Apolo, perto de um santuário da Deusa-Mãe asiática, que, identificaram à sua Ártemis. Fundada por um filho do rei, esta veio a ser considerada metrópole do reino jônico.
Desde o início, Éfeso teve um governo monárquico-aristocrático. Entretanto, com o passar do tempo, fizeram-se sentir tendências libertadoras, já sob os filhos do fundador, que se fortaleceram e conseguiram, aproximadamente no século VII a.C., transformar a monarquia em uma república aristocrática. Após grandes revoluções, tomadas de poder e governos tirânicos, numa época, política e economicamente agitada, mas notável pelo surto do pensamento, assim num sentido mais racional, é que se situa a vida de Heráclito.
Não se sabe exatamente o ano de seu nascimento, sua acmé¹ teria incidido na 69ª olimpíada, entre os anos de 504/1. Nasce, pois, entre 544/1, e morre aos 60 ou 70 anos, conforme descrito por Diógenes Laércio, entre 484/74. Heráclito descende da família real de Ândroclo. Goza, assim, do título e prerrogativas reais, dos quais, abdica em favor de seu irmão, desinteressando-se por tal condição por não se impressionar por tal posição aristocraca. Nada se registra de sua formação. O mesmo Diógenes Laércio o chama de autodidata, não o enquadrando em nenhuma escola da época, resistindo assim, a qualquer catalogação. Uns como Sócion de Alexandria diz, que Heráclito, é aluno de Xenófanes, e Suidas coloca-o como ouvinte também, de Hípaso e Pitágoras: essas últimas informações incertas e duvidosas. A posição e a tradição de sua família e suas próprias habilidades tendem a encaminha-lo para a política, aspiração suprema do homem grego antigo.
Mas, contudo, sabe-se pela tradição, de seu descontentamento com os governantes, sua aversão pelo vulgo, pela mostra de grande desprezo pelas massas e pelos princípios democráticos de sua época. Vulgo, que no entender de Heráclito, não é uma classe, mas um comportamento. É a atitude mental dos homens, que não se esforçam por ir além das aparência intrínseca das coisas e, bem como a falta de atitude moral – a incapacidade de uma vontade própria. Entendendo ele que tais atitudes existem entre a maioria dos homens.
Consta que Heráclito é amicíssimo de Hermodoro, um dos próceres do governo de Éfeso. Um governo, porém, nem tirânico, forma extinta nesse período ou propriamente de caráter aristocrático, mas tido como empenhado pela liberdade do povo. Uma das armas mais eficientes de que Atenas dispunha para proteger sua liberdade é o ostracismo².
Uma das armas mais eficientes de que Atenas dispunha para proteger sua liberdade é o ostracismo4. Este mesmo ostracismo veio a ser adotado por Éfeso, tendo sido seu introdutor, com a ajuda de Heráclito, o próprio Hermodoro.
Hermodoro e Heráclito, conforme Diógenes Laércio, trabalham juntos, pelo bem do povo efésio. Diz, que Hermodoro, é o principal inspirador da legislação da cidade. Leis sábias e ponderadas, protegidas sim, pelo ostracismo, eficientes ao ponto que Heráclito recomenda ao povo que as conserve. Como o fazem ao defender os muros da cidade: “[...] É preciso que lute o povo pela lei, tal como pelas muralhas.” (DK 44, 1978, p. 83), pois dela advém força inspiradora da própria divindade. Diz ele:

(Os) que falam com inteligência é necessário que se fortaleçam com o comum de todos, tal como 

a lei da cidade, e muito mais fortemente; pois alimentam-se todas as leis humanas em uma só, a 

divina; pois, domina tão longe quanto quer, e é suficiente para todas (as coisas) e ainda sobra. 

(DK 114, 1978, p. 90).

Heráclito, trata com rispidez os poetas, ante o fato que estes serem os educadores da juventude, julgando-os ineptos e despreparados; condena algumas epopeias e poesias líricas apresentadas nos festejos, ao seu ver, com composições inconvenientes e também, faz críticas aos ritos e demonstrações, durante as festas de Ártemis e Dionísio, os quais facilitam a imoralidade e com suas orgias desenfreadas.
Disso comenta: “[...] Se não fosse a Dionísio que fizessem a procissão e cantassem o hino, (então) às partes vergonhosas desavergonhadamente se cumpriu um rito; mas é o mesmo Hades e Dionísio, a quem deliram e festejam nas Lenéias.” (DK 15). E, não concorda com práticas religiosas supersticiosas do povo; nem sua maneira de orar em dirigindo-se a simulacros, preferindo uma religião mais espiritualizada, Heráclito ressalta:

"Purificam-se manchando-se com outro sangue, como se alguém, entrando na lama, em lama se 

lavasse. E louco pareceria, se algum homem o notasse agindo assim. E, também a estas estátuas 

eles dirigem suas preces, como alguém que falasse a casas, de nada sabendo o que são deuses 

e heróis". (DK 5).

Pelo racionalismo de Heráclito e seus ataques às massas e aos cientistas de sua terra, bem como certos acontecimentos abalam a posição de Hermodoro, na execução de seus métodos, pouco conciliáveis com a liberdade, provavelmente tenha desencadeado ou precipitado desfechos inesperados, tanto para um quanto para o outro. O povo, então, receoso por talvez perder seus privilégios, volta-se contra Hermodoro aplicando-lhe, ao que parece, o ostracismo que ele mesmo, teria importado. Heráclito, ao seu tempo, indigna-se com a atitude de seus contemporâneos, e exalta:


"Merecia que os efésios adultos se enforcassem e os não-adultos abandonassem a cidade, eles 

que a Hermodoro, o melhor homem deles e o de mais valor, expulsaram dizendo: que entre nós 

ninguém seja o mais valoroso, senão que se vá alhures e com os outros". (DK 121).

Após o ocorrido, Heráclito, narra Diógenes Laércio, rompe com Éfeso e retira-se da cidade, refugiando-se nas montanhas, alimenta-se de ervas e plantas. Tornando-se misantropo, melancólico, como que imitando os refugiados no exílio. Mantendo-se em altivo isolamento e em oposição ao resto da sociedade. Essa postura transparece nos seus escritos, especialmente quando contrapõe os melhores (homens) à maioria, como sugere uma das suas máximas: “[...] Um para mim vale mil, se for o melhor”. (DK 49).
O seu comportamento às vezes contraditório, talvez explique algumas extravagâncias, a começar pelos vários relatos quanto à sua morte. Segundo ainda D. Laércio, acometido de hidropisia, devido a sua dieta, Heráclito desce à cidade e pôs-se a perguntar de maneira enigmática aos médicos se o podiam curar; sem se fazer compreender, enterra-se num estábulo, e espera assim que a água em seu corpo evapore com o calor do estrume. Assim, finda a sua vida. Outras versões apresentadas como as de Hermipo e Neantes de Cizico, tem-se: do primeiro, que o efésio deita-se ao sol e pede aos criados que o cobrissem com esterco. Desse modo fica e falece no dia seguinte, sendo sepultado em praça pública. Do segundo consta que, tendo sido impossível retirá-lo de sob o esterco, lá permanece, e, em putrefação é devorado por cães. Já Aristão, escreve que Heráclito cura-se da hidropisia, falece, então, de outra enfermidade.
Escrever, para Heráclito, significa gravar frases curtíssimas, os aforismos tão profundos quanto ambíguos, sobre finas lâminas de ouro, que pela tradição, podem fazer parte do livro que lhe é atribuído Sobre a Natureza. Livro este, que o próprio Heráclito deposita no templo de Ártemis, ordenando aos sacerdotes que só tornem público o seu conteúdo após sua morte. Portanto, em certo sentido, quis ser um filósofo póstumo, recusando-se a falar aos pobres compatriotas, que sem meio termo, define como adormecidos, para dirigir-se à humanidade do futuro. Já asseveram alguns, que os aforismos heraclíticos não fazem parte de algum livro, mas, sim, de uma característica da escrita da época, na qual os aforismos ou frases curtas são de atraente e concisa forma de expressão, com objetivo de tornar o seu conteúdo de fácil compreensão e memorização. Através deste recurso, expressa principalmente os costumes e as máximas morais densas de conteúdo. Os fragmentos de Heráclito são produzidos nesse estilo. Nesse período, a forma falada é o principal meio de comunicação.
Logo, os vários acontecimentos da vida de Heráclito, como o de não participar de mau regime político, o convencimento a um tirano de abandonar o poder, a defesa do seu amigo Hermodoro e o de convocar os efésios a defender as suas leis, expressam a sua preocupação de cunho ético e social.
Heráclito, portanto, permanece na história como o filósofo do devir, mas a crítica contemporânea já demonstra que essa interpretação é redutiva: sob as aparências mais mutáveis, ele entrevê uma lei, um princípio unitário. Essa lei de interdependência dos contrários, segundo a qual cada par de opostos formam uma indivisível unidade, é o logos, a razão que governa todas as coisas. Mas, os homens, na sua maioria, são incapazes de ouvi-lo.

¹ Método cronográfico que tenta descobrir a acmé de um escritor, entendendo por ela a plena maturidade humana, atribuída, geralmente, 

aos quarenta anos. Confrontando certos fatos da vida do escritor. Uma vez verificada, a acmé conhecia-se o ano do nascimento; o óbito é 

sumariamente fixado entre os 60 a 70 anos. Conforme BERGE, D. O Logos Heraclítico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, p. 

 51, 1969.

² Ostracismo (gr. Ostrakismos: forma de banimento). Na antiguidade grega, banimento por dez anos de um cidadão considerado perigoso 

ou de um político caído em desgraça. JAPIASSÚ, H. Dicionário básico de filosofia/ Hilton Japiassú e Danilo Marcondes. 4. ed. Rio de 

Janeiro: Jorge Zahar, p. 209, 2006.


Referência bibliográficas


DAMIÃO, B. O Logos heraclítico: introdução ao estudo dos fragmentos. Rio de Janeiro: Instituto 


Nacional do Livro, 1969.


DIELS, H. e KRANZ, W. Die Fragmente der Vorsokratiker. Vol. 1, 19. ed., Zürich: Weidmann, 1996.


HERÁCLITO. Heráclito (Fragmentos Contextualizados). Tradução, Apresentação e Comentários 


Alexandre Costa. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.


_______. Fragmentos In:______Os Pré-socráticos; fragmentos, doxografia e comentários. 2. ed. São 


Paulo: Nova Cultural, 1978. (Os Pensadores) p. 74-91.


LAÉRCIO, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 


1987.